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Explosão no porto de Beirute e a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

O que a explosão no porto em Beirute nos faz pensar sobre soberania e segurança alimentar e nutricional?


Por Priscila Olin e Luís Benigno

Imagem: Space Agency Roscosmos/ via REUTERS (via portal R7)

Na última terça-feira (04/08) uma grande explosão no maior porto de Beirute, capital do Líbano, deixou muitos mortos e feridos e causou muita destruição na cidade. A explosão ocorreu em um armazém que continha mais de 2700 toneladas de nitrato de amônio, armazenadas sem a devida segurança, há cerca de 6 anos.


Mas o que esse acontecimento tem a ver com segurança e soberania alimentar e nutricional?


O primeiro ponto que podemos pensar é sobre a dependência do Líbano da importação de alimentos de outros países. Cerca de 80% do que é consumido no país vem de importações, que são cotadas em dólar. Segundo informações divulgadas pela imprensa, o porto destruído era responsável por receber 60% das importações de grãos, além de ter outras estruturas importantes para o armazenamento e deslocamento desses produtos.


Após o incidente, houve um certo temor de desabastecimento no país, contudo, de acordo com relato do representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no país, há estoques de cereais, especialmente trigo, suficientes para um mês e outros carregamentos prestes a serem entregues. Ainda assim, a situação do país é crítica. O Líbano já vinha enfrentando uma grave crise econômica, com desvalorização da moeda local, elevação dos preços dos alimentos, aumento do desemprego e redução nos salários, afetando principalmente a chamada classe média e as classes pobres. Desde o ano passado, cerca de 500 mil pessoas apresentavam algum grau de dificuldade para adquirir ou consumir alimentos (quase 30% da população), e essa situação vem piorando desde então. Hoje, metade dos libaneses enfrenta algum grau de insegurança alimentar e nutricional e outro fato agrava ainda mais o cenário: quase 50% do PIB do Líbano é gasto para pagamento de dívidas externas com países centrais, como por exemplo, os Estados Unidos! Observa-se então uma falsa ideia de solidariedade, pois enquanto veiculam na imprensa internacional o envio de suprimentos e ajuda humanitária ao povo do Líbano, seguem mantém mantendo a política de juros altos para a cobrança de dívidas de milhões do país. Além disso, nestes envios de alimentos pode haver mais um tipo de violação da soberania alimentar dos povos pois, se utilizam de alimentos ultraprocessados que em nada dialogam ou respeitam os hábitos socioculturais e étnicos destes povos. E não podemos deixar de citar que a pandemia do Covid-19 intensificou ainda mais a vulnerabilidade da população.


A soberania alimentar diz respeito ao direito dos povos de decidir sobre a produção, distribuição e consumo de alimentos, respeitando a diversidade e visando garantir o direito à alimentação adequada para todos e todas. Assim, quando um país é extremamente dependente de produtos externos, a soberania alimentar fica ameaçada. Da mesma forma, sem políticas sólidas e adequadas de produção e abastecimento alimentar, a ocorrência de catástrofes, acidentes e outros eventos adversos, deixa a população muito vulnerável. Tudo isso está muito relacionado ao modelo de desenvolvimento econômico do sistema capitalista e o papel dos países na divisão internacional do trabalho. O Brasil por exemplo, tem a “função” de produzir milhões de toneladas de commodities para exportação, como soja e milho, mantendo o legado de um passado colonial marcado pela exploração dos países centrais.


Ainda nesse âmbito, cabe mencionar os circuitos longos e curtos de produção. Em um circuito longo - como ocorre com as importações de trigo no Líbano -, o processo é mais complexo e tem mais etapas. Qualquer problema que aconteça em alguma das etapas, interfere na chegada do alimento ao destino final, além de torná-lo mais caro, enfraquecer a produção e o comércio locais. Por isso a importância de fomentar a produção de alimentos em circuitos curtos. Quanto mais fortalecido e autônomo o setor produtivo local de alimentos estiver, mais segurança e soberania alimentar é gerada para o enfrentamento de situações de calamidades, guerras e desastres sociais, como o ocorrido. Podemos dizer que os países que investem em políticas de abastecimentos local, promovendo circuitos curtos de produção, colaboram para promoção da soberania alimentar e nutricional, gerando renda emprego, promovendo saúde e preservando o meio ambiente.


Há ainda um segundo ponto que este incidente levantou: o uso do nitrato de amônio em grande escala na agricultura. Esse produto é bastante usado como fertilizante (como fonte de nitrogênio, essencial para o desenvolvimento das plantas), e também empregado na fabricação de explosivos, além de outros usos. Quando submetido a temperaturas muito altas, ele torna-se altamente inflamável, podendo causar explosões como a que aconteceu no Líbano. Se utilizado e armazenado corretamente, o risco disso acontecer é relativamente pequeno, o que faz com que ele continue sendo largamente comercializado e utilizado no mundo todo.


No Brasil essa não é a opção mais usada para fertilização, mas ainda assim importa-se mais de 1 tonelada do nitrato de amônio por ano, além do que é produzido aqui, empregado principalmente no cultivo de cana de açúcar, frutas e hortaliças. Sabemos que tão importante quanto pensar no alimento que comemos, é pensar na forma como ele foi produzido, todo o caminho que ele percorreu até chegar a nossa mesa. Assim, surge uma questão: existem alternativas a esse tipo de fertilizante? Já viram que falamos bastante sobre agroecologia por aqui como uma forma de produzir alimentos de maneira mais justa saudável e sustentável, não é? Pois é, na agroecologia são usados fertilizantes alternativos - por exemplo a adubação verde com leguminosas) - para fornecer ao solo o conteúdo de nitrogênio necessário. Esse é um exemplo interessante para repensarmos nossa forma de plantar.


Viram como está tudo relacionado? A soberania e segurança alimentar e nutricional têm múltiplas dimensões, e pensar em como e no que comemos envolve pensar todo o contexto político, social, cultural e econômico, do nosso e dos outros países.


Fontes:












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