O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica públicas e é considerado um dos maiores e mais abrangentes programas de alimentação escolar do mundo, se configurando como uma estratégia fundamental de garantia da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAAS).
O programa se demonstrou ainda mais relevante durante a pandemia de COVID-19, que agravou a situação da insegurança alimentar e nutricional no Brasil, visto que garante a alimentação de milhares de estudantes.
Nesses últimos anos, tem sido um dos poucos programas de SAN, que resiste ao sistemático desmonte de direitos que tem acontecido no Brasil, graças a mobilização e pressão da sociedade civil, movimentos e entidades sociais que lutam, historicamente, pelo direito humano à alimentação.
No entanto, a luta não tem sido fácil. Não são poucos os Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional que propõe diferentes modificações do PNAE.
Apesar da pressão de entidades e organizações da sociedade civil embasada em fatos e opiniões de diferentes especialistas, ligados à educação, saúde e à segurança alimentar e nutricional, na última quinta-feira (06/05), foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.292/20, do deputado Vitor Hugo (PSL-GO), que altera de forma preocupante o marco legal do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), contrariando pareceres técnicos contrários a essa proposição.
O projeto de Lei estabelece duas propostas alarmantes:
Torna obrigatório que 40% dos recursos, repassados pelo FNDE para a alimentação escolar/PNAE, destinados à compra de leite, devem ser utilizados na aquisição do produto na sua forma líquida.
Retira a prioridade de que 30% dos recursos, repassados pelo FNDE para a alimentação escolar/PNAE, destinados a compra da agricultura familiar, sejam para compra de alimentos de assentamentos da reforma agrária e de comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.
De acordo com o Observatório da Alimentação Escolar (@oae), a primeira proposta, ao estabelecer uma cota específica para a aquisição de um determinado tipo de alimento, torna o programa vulnerável a diferentes tipos de lobby da indústria de alimentos e cria um perigoso precedente de reserva de mercado. Além disso, um projeto como esse fere, gravemente, a autonomia do nutricionista em pensar e planejar o cardápio da alimentação escolar considerando a realidade local, respeitando os hábitos, a cultura, a sazonalidade e a diversidade dos alimentos, condicionantes essenciais na oferta de alimentação adequada e saudável.
A segunda proposta, toma uma posição na contramão da realidade brasileira, frente à situação de vulnerabilidade que vivem as comunidades tradicionais indígenas, de remanescentes de quilombos e assentados da reforma agrária (ainda mais em tempos de Covid-19 e desestruturação de políticas sociais), negando o papel do Estado como promotor de ações que visem o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável.
Ao retirar a prioridade de compra dos gêneros alimentícios desses coletivos, o segmento dos agricultores familiares, perdem uma garantia importante de um espaço de comercialização produção e correm o risco de ficar à mercê das disputas (injustas e desiguais) de mercado e perder grande parte dos recursos financeiros que conseguem hoje - e que garantem não só a continuidade da sua produção mas também a alimentação de suas famílias.
Na ausência de políticas públicas de abastecimento, de apoio a agricultura familiar e de regulação preço dos alimentos e frente a desestruturação do SISAN e dos programas de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), o PNAE não pode ser exposto aos interesses comerciais, servindo como um canal de garantia de reserva de mercado e de lucro.
O impacto social que a aprovação do projeto pode gerar preocupa também pelo cenário do aumento da fome e Insegurança Alimentar e Nutricional no Brasil. De acordo com a VigiSAN (2021), populações residentes em áreas rurais são as mais afetadas pelo aumento de Insegurança Alimentar e Nutricional. Enfraquecer as condições de vida e subsistência dos agricultores familiares pode agravar ainda mais a situação.
Assim como diversos coletivos que atuam na defesa da SSAN e do DHAAS, nós estudantes, nutricionistas e professores do projeto MultiplicaSSAN entendemos que a aprovação deste projeto enfraquece o PNAE e fragiliza ainda mais o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e toda uma luta pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, pela Reforma Agrária, pela agroecologia, pela vida e respeito aos povos e comunidades tradicionais, pela construção de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis e pela garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAAS) de todos, todas e todes.
Agora precisamos ficar atentos às mobilizações para impedir que o Projeto seja aprovado no Senado. Acompanhe as divulgações e chamamentos que faremos nas mídias do MultiplicaSSAN/OPSAN e do Observatório da Alimentação Escolar.
A alimentação escolar é um direito de cidadania! Proteja o PNAE! Divulgue este texto e sensibilize mais pessoas a compreender o que está acontecendo e os riscos que vamos correr.
Texto: Ana Beatriz Reis, Luís Benigno e Anelise Rizzolo.
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